15 de maio de 2007

Interurbano

Eu prometi visitá-la sempre que possível. Ela morava na mesma cidade de uns tios meus. Era meio longe, mas eu poderia aproveitar para cumprir minha promessa toda vez que fosse na casa dos meus tios. É claro que com o que eu ganhava ficava difícil e eu só podia viajar pra tão longe uma vez ao ano.
Nós nos conhecemos de uma maneira bastante inusitada. Por causa de uma aposta que fiz com alguns amigos e acabei perdendo, tive que pagar o preço. E o preço era fazer uma ligação interurbana, para outro estado, para um número totalmente desconhecido. Ou seja, passar um trote. Mas tinha que ser um trote categórico. Eu deveria conversar por pelo menos dois minutos com o alguém do outro lado. Sobre o quê? Bem, isso era problema meu. E aliás, um grande problema.
Acho que tentei umas vinte vezes e sempre a telefonista dizia que o telefone não existia e que eu deveria consultar a lista telefônica. De repente me veio a idéia de discar para meu próprio número, apenas com o código da cidade diferente. E funcionou, por incrível que pareça.
Não lembro muito bem o que disse, mas lembro perfeitamente o que ouvi. Infelizmente não posso contar, pois denigre muito a minha própria pessoa. Mas garanto que não era coisa boa. E é óbvio que todos os meus amigos riram de mim. Mas pelo menos eu já tinha cumprido a minha dívida de apostador fracassado.
E ela era o alguém a quem eu tinha passado o trote. Mas como eu ainda não sabia disso, resolvi usar da honestidade que ainda me restava, e quando cheguei em casa, sem perceber, já estava com o telefone na mão, discando o número dela.
Realmente foi uma ação involuntária telefonar. Mas pela primeira vez, hesitei em apertar os últimos dígitos. Devolvi o telefone ao gancho e me sentei ao lado dele, observando-o. E fitei o aparelho durante minutos a fio, sem reação nem pensamento.
Mas eu precisava falar com ela, pedir desculpas pelo trote. Acabei telefonando assim mesmo.
Foram três toques até que alguém atendeu. Mas não era ela. Parecia ser a voz de uma garotinha, talvez uns cinco ou seis anos. Perguntei se poderia falar com sua mãe, para quem ela passou o telefone. Mas também não era ela. Apesar de parecer a voz de uma mulher, com seus vinte e muitos, eu sabia que não era ela.
Provavelmente a mulher com quem eu falava não sabia do trote. Mas a minha única saída foi falar sobre o assunto. E, para minha grande sorte, ela disse que não sabia de nada, tinha chegado há pouco tempo e que era a filha da dona do telefone. Pedi que a chamasse.
E finalmente consegui falar com ela. Expliquei o motivo do trote, as cirunstâncias, e ela pediu desculpas por ter sido agressiva. E eu também pedi desculpas por ter escolhido justamente o número dela. E ficamos nos desculpando. Então ela pediu se eu queria mais alguma coisa.
Essa pergunta foi verdadeiramente pura conveniência. Era um pretexto, quem sabe eu parasse de tomar tempo. E novamente uma ação involuntária minha disse que sim. E também involuntariamente comecei a perguntar. Sobre tudo e qualquer coisa. Descobri que ela se chamava Marieta, que morava na mesma cidade dos meus tios, que tinha uma lanchonete nas margens da BR e que já era avó.
Ela descobriu a coincidência dos nossos telefones, onde eu morava, meu nome, que curso eu fazia, etc.
Acabamos ficando um pouco amigos. Acho que ela também teve a mesma impressão.
E no outro dia, ela ligou pra mim pela noite. Fiquei tão surpreso. Assim que ela disse "Alô" eu reconheci a voz. E ficamos conversando até tarde da madrugada. No dia seguinte até perdi a hora por causa do sono atrasado.
E de noite eu liguei para ela e tudo aconteceu de novo.
Por dias, semanas nos telefonávamos diariamente. Era o início de uma grande amizade. Comecei a chamá-la de Mamma. E ela começou a me chamar de Ninno.
Foi aí que eu prometi visitá-la sempre que possível. Não lembro bem ao certo quando foi a primeira vez que fui vê-la pessoalmente. Sei que disse a todo mundo que estaria indo tirar férias na casa de um tio meu. E era meio verdade, afinal, eu fui mesmo na casa dele. Mas é óbvio que eu passei bem mais tempo na casa da Mamma.
Ela não tinha cara de avó. Até achei engraçado quando descobri pelo telefone que ela era avó com apenas quarenta e seis anos. Achei tantas outras coisas engraçadas e ela também e ficamos conversando os dias todos, desde o acordar até a hora de dormir.
Infelizmente tive que voltar pra casa, mas continuamos a nos falar sempre por telefone. E anualmente eu a visitava.
Mas sabe como a vida é traiçoeira. Por mais que encontremos alguém assim, maravilhoso, ela, a vida, se encarrega de estragar tudo.
E tudo começou a ruir quando, por motivos financeiros, afinal gastávamos duzentos ou mais em interurbanos conversando, paramos de telefonar diariamente. Era uma vez por semana, depois uma vez por mês.
A inflação subiu, e com ela os preços. E o meu salário estava praticamente congelado. Tive que cortar despesas para poder sobreviver. E foi ficando tudo difícil.
Apareceu um candidato à presidência que prometeu mundos e fundos. Eu também votei nele. E no fim das contas, ele levou embora o que me restava com aquele confisco.
Sem casa, sem carro, sem dinheiro, literalmente roubado. O que ainda me restava era o meu emprego. Pois foi o que perdi. E a esperança, que é a última que morre, estava na UTI, em coma. Quase morreu.
Mas eu ergui a cabeça, vendi alguns pertences e telefonei para Mamma, avisando que a minha última chance era viver ao seu lado, na lanchonete.
Eu quis avisar que estava me mudando pra lá, mas não foi Mamma que atendeu. Foi minha "irmã". Ela disse que, por mais triste que fosse, eu deveria aguentar firme. Mamma adoecera e seus cinquenta e poucos anos estavam se indo.
Minha esperança morreu exatamente naquele momento. Deixei o telefone escorregar da mão e ali mesmo, no telefone público, tive um ataque cardíaco.
Me levaram para o hospital, mas infelizmente, não consegui. Passei a ser um cadáver e minha alma veio sentar-se onde estou agora. Acabei descobrindo que morrer não é tão ruim assim. O céu não é só uma promessa.
Daqui de cima, fiz o que pude e consegui salvar a vida de Mamma. Ela ficou inconformada com o que me acontecera, se culpou para sempre.
Me tornei meio-anjo e apareci num sonho dela, dizendo que cada um tem uma missão e que a minha era fazê-la feliz. Acho que ela entendeu, tirou o luto.
Tempo depois, me tornei um anjo de verdade, um anjo da guarda. Passei a cuidar de Mamma, a zelar por sua vida.
Hoje ela completa setenta e três anos. E fiquei feliz em saber que ela mudará aqui pra cima em poucos meses. Vai ser a primeira vez que ela vem me visitar.

5 comentários:

Josie disse...

Tá...
E o autor?

Cristiano Mueller disse...

bem eu já li algo parecidinho, rsrs então quem escreveu? vc? thi de qualquer forma vc n acredita em anjos ahaha e minutos a fio , como é isso ahahhahaah ou se é minutos ou não se é,é apenas muito tempo ahahah sei lá eu to meio critico hoje rsrsrrsrs, agora que tenho tudo de melhor na vida to ficando exigente ahahaha polpaaaaaaaaaaaaaa

Thiago disse...

Jo, o autor dos Continhos Bestas pra Matar Post sempre sou eu.
Se não for, eu cito o nome...

Anônimo disse...

Ah, Thi! Vc é demais!tão terrivelmente criativo! :D Beijo e parabéns! :)

Anônimo disse...

hum mas eu ja escurtei algo sim e bem antigo sobre uma amizade de uma telefonista com um menino, mas ta e a lei da repetição que aciontece de forma expontanea!! hihi thi vc e sempre demais rsrs sempre!!! e é´meu fofo , só meu!!!